sábado, 10 de março de 2012

terça-feira, 21 de junho de 2011

Cavalo-de-tróia: dentro e fora de nossos templos.

Excesso de informação. Há muita coisa acontecendo no mundo ao mesmo tempo. A compressão do mundo causada pelo desenvolvimento das telecomunicações e dos transportes também trouxe à tona a consciência de que nossa capacidade de abraçar o mundo é restrita. O eufemismo “aldeia global”... não sabemos o que acontece sequer em nossa própria oca. Mas não nos importamos muito com isso. Há sempre alguém cumprindo seu papel até que nós possamos gozar do maior de nossos direitos – garantido pela civilização ocidental: o direito de consumir.


Numa mina de carvão, numa floresta temperada, num país colonizado, nas casinha do “pessoal da limpeza”, eles estão lá, cumprindo “seus papéis”. Uma infinidade de seres humanos “montando” cada um sua parte, o todo de nosso objeto de consumo. Ora, é apenas trabalho, alguns dirão, bem como eu trabalho na cidade, o sujeito lá trabalha numa mina de carvão. Ok. Direito ao trabalho, pois, certo?


Desembrulho o pacote. Abro a caixa. Está lá, envolto em plásticos, isopor, papéis, está lá, brilhante, opulento, misteriosamente poderoso, consistentemente místico, um notebook. Está lá, pronto. Depois de milhares de mãos, chegou às minhas por um preço razoável! Quem diria, que avanço da sociedade de consumo, um computador tão avançado na mão de alguém da classe C... o que aconteceu para isso vir parar nas minhas mãos? a) “votaram certo nas últimas eleições”; b) minha família soube economizar; c) eu soube investir nos lugares certos; d) estamos reciclando tecnologias não mais absorvíveis no primeiro mundo... bom, há uma infinidade de respostas e pseudo-respostas possíveis, mas poucas delas tocam num ponto essencial: sofrimento.


Tão bonito esse laptop. Tem mil coisas dentro dele, mil tecnologias que avançaram assombrosamente nas últimas décadas. Houve um dia em que o disquete era o suprasumo da tecnologia. Hoje um laptop comum tem 300.000 vezes a capacidade de um disquete... Pouco mais de uma década e veja a que tamanho reduziram o celular, o laptop, a parte interna da televisão... Aqui dentro tem lítio, tem cobre, ouro, silício, chumbo, magnésio, alumínio, enxofre, boro, carbono, uma infinidade de elementos compõem e recompoem-se dentro dessa “maravilha” da tecnologia moderna (ou talvez pós-moderna)... radioativos ou não, extraídos dos lugares mais distantes do planeta, a baixissimo custo. América central, América do sul, África, Ásia, Leste Europeu... Regiões em vias de desenvolvimento, em vias de exaustão. Extratores humanos expostos aos mais graves riscos de saúde para que uma pitada de cada um desses elementos maravilhosos venha parar num belíssimo laptop na América do Sul... uma só pitada em cada laptop. Milhões de laptops. Talvez bilhões.


Mas a gente compra - e se pensa numa coisa dessas, pensa: é só uma pitada. É só um laptop. É só mais um celular, mais uma televisão, mais um MP3, mais uma pilha, só mais um litro de óleo no ralo, só mais uma descarga, só mais um vizinho desperdiçando água, é só mais um carro, só mais bife no lixo, é só mais um cigarro, só mais uma queimada, só mais um defensor da floresta morto, só mais um cachorro morto de fome na casa alheia, só mais um bebê torturado nas mãos de uma babá despreparada, só mais um médico carniceiro, só mais um desgraçado que bate na mulher e nos filhos, é só mais uma cerveja, só mais uma pedra, mais uma carreira... e assim o mundo é feito, das somas mais simples... 1+1+1... bilhões de laptops. Bilhões de pessoas fodidas no planeta Terra.


Um bolo muito bonito. “Molhadinho”, chocolate escorrendo, uma cobertura de chantilly, um glacê contornando bonitos desenhos... longe da comemoração, bilhões de vacas estão presas à máquinas que sugam suas tetas com muito mais força que aquela de seus bezerrinhos – que aliás, estão mais longe ainda, confinados, cada um num cubículo, sem sol, com alimentação precária, afim de tornarem suas vidas apreciáveis – como vitela. De outro lado, bilhões de galinhas em regime de produção absoluta estão confinadas aos montes em gaiolas, sob luz 24h por dia, umas sobre as outras, vivendo sob excrementos umas das outras, alimentando-se umas das outras (via ração e via canibalismo por estresse), tudo isso para produzir um bolo mais fofinho aqui, um acompanhamento para sanduíche acolá, um ingrediente para alguma receita pra lá. Animais torturados durante toda uma vida, anos a fio, para que possamos gozar o sabor de suas mortes...


Uma “gostosona” rebolando em frente à câmera, um sujeito alto, forte e bombadão pega ela “de jeito” e depois de cinco ou seis indicações de posições do diretor, o alazão macula a face inocente de uma jovem colegial. Tudo isso de graça na internet. Viva a pirataria, então. Ela nunca se questionou sobre o que faz na frente das câmeras, muito menos ele, que é invejado por seus amigos; já ela tem vergonha dos pais, que não aceitam sua profissão. Ela é atriz pornográfica, mas nunca interpretou um papel com falas. Não importa se ela está preparada ou não, se ela está afim ou não, ela TEM que estar afim, senão... vai doer também fisicamente. Para o ator, uma ou duas pílulas e muita força de vontade. Diz-se que o salário compensa.


As coisas chegam até nós de um jeito muito bem acabado. Nós não nos questionamos o que está abaixo delas. Nossa sociedade produz as mais incríveis atrocidades para que possamos realizar nossas micro-fantasias e imaginar que nossos vazios existenciais estão preenchidos. Nós consumimos e somos consumidos para produzir coisas para os outros consumirem. Somos a máquina, somos o sistema, toda sua estrutura e mesmo as peças que não cumprem seu papel são absorvíveis, viram exemplo do “dont do it”.


Meu corpo é meu templo. O máximo de território sob o qual eu tenho algum controle é o meu corpo. Desde pequeno me entopem de entulho que insistem em chamar de comida, de brinquedo, de roupa, de tecnologia, de necessidade, me entopem de açúcar, de drogas, de óleo, de carnes encharcadas de hormônios, de venenos, de vegetais que exalam agrotóxicos, enfim, todo o aparato que é museu de nossa ignorância. Nunca nos questionamos, pois toda la gente hace el mismo. Questionar a si é questionar o status quo, toda a cultura ocidental moderna. Questionar o modelo de vida é por em dúvida todo o modelo de vida sob o qual bilhões de pessoas morreram na tentativa de erigí-lo. Não perguntar é honrar a morte de tantos cristos que morreram por nossos pecados.


Um dia, um tanto por impulso, peço a identificação de um carregamento que habitualmente recebia em meu templo. O entregador, confuso, foi obrigado a me explicar de onde tudo aquilo vem, como foi fabricado, por quem, e quanto me custa aceitar sua entrega. Recuso a entrega. Espalha-se pela região que meu templo é habitado por um louco que recusa o que todos aceitam. Meu templo vira alvo de chacotas de toda parte. Raros são aqueles que me interpelam na rua do comércio sobre as novidades em meu templo. Mas me sinto seguro em perguntar, e passo a fazê-lo sempre.


Tempos passam e a posição crítica aumenta. Me distancio cada vez mais da vila. Enquanto ela torna-se cidade, eu me aprofundo nos livros e cartas, recebo outros viajantes críticos – do tempo e do espaço - de outras partes que me contam de suas longas viagens e de seus próprios modos de enxergar o mundo. Todos tiveram suas cidades sitiadas, mas fecharam suas portas e resistiram o quanto puderam – muitos ainda resistem. Pela janela, vejo fumaça subindo em grossas colunas no horizonte da cidade – prédios lentamente acompanham a fumaça rumo aos céus. Choro à noite pensando nos meus que se esqueceram de se perguntar sobre aquele monte de entulho que vem de tão longe, sob tanto sangue, sob tanta humilhação, tanta ignorância... o mesmo laptop que me ajuda a estudar foi composto em esforço por uma multidão de pessoas que sequer sabe escrever. Aquele bolo tão saboroso custou uma vida de sofrimento à galinhas as quais nunca foi possível viver sua natureza. Aquele bife jogado na lata do lixo era parte de uma vaca que talvez nunca tenha alimentado um bezerro, vivido no pasto, sua própria natureza: ao contrário, só conheceu ferros quentes, biombos, esterco por toda parte e sal, muito sal, e um tiro de pressão, serras elétricas, seu próprio sangue.


Mas isso não é importante. O problema é que não se consegue viver sem o laptop, não se consegue viver sem a televisão, sem um celular novo, aquele tênis é bom pra coluna, bolo sem ovo “não cresce”, a gente precisa do leite, de onde vou tirar minhas proteínas, coca pro almoço, coca para viver... A gente simplesmente não pode conceber...


Dias obscuros advieram. Viajantes há muito não apareciam, minha comunicação ficou debilitada. Sofri em silêncio pensando estar só, a turbidez da água que passava pela cidade me fez questionar minha própria saúde mental, o ar agora num cinza visível se batia vigoroso por sobre minhas vidraças, nevavam cinzas lá fora... me agasalhei, pus a máscara e saí. Caminhei horas a fio, tremendo e fraco. Olho mais adiante, tentando ver além das cinzas que caíam, e vislumbrei uma bandeira num templo vizinho. Andei até lá, um tanto confuso... há muito não via bandeiras hasteadas. Bato à porta: “Quem és tu?” - choro de alegria “Eis que finalmente perguntam algo!”. Explico-lhe quem sou. A porta se abre e sou recebido com um carinhoso abraço: fui para ele exemplo, bem como outros foram exemplo para mim. Juntos tomamos chás de sua horta e, pesarosos, concluímos que para cada dez arranha-céus que se erguem, apenas uma bandeira insurreta se ergue temerosa – isto quando não abaixa.


Volto para casa de cabeça erguida, apesar da incômoda fuligem em meus olhos. Às portas de meu templo, dezenas de cavalos-de-tróia aguardam a menor brecha em meus portões. Adaga em mãos, em luto, passo entre eles orgulhoso, não lhes direcionando um olhar que seja – mas sinto-lhes bafejando aos meus passos. No meu pátio, do lado de dentro, sofro ao ver os cavalos-de-tróia que aceitei, que estão alí, mostrando minhas próprias fraquezas. Lembro de meu vizinho. Lembro dos viajantes. Sinto algo tocar minhas costas – um raio solar. A minha volta, só fuligem empesteando meu ar. O sol me toca, sim, mas de dentro.


Lembro de Quixote. Simpatizo com ele. Entendo aqueles que na rua do comércio me dizem, rindo-se entre os dentes “vais boicotar a tudo, mas como vais boicotar a fome?”. Seríamos tão fortes... às vezes lhes proponho questionamentos, mas não querem pensar no que estão fazendo. Carregam tanto entulho em suas costas que se os descessem para analizá-los não conseguiriam colocar tudo de volta às costas sozinhos (e ninguém lhes ajudaria, também). Talvez por isso eu tenha podido questionar tão “cedo” - nunca tive nada do que me despir, nem tanto a questionar. A verdade é que estava no básico, quando questionei o básico. Quando desci o que estava às minhas costas eram apenas meus hábitos.


Já não atendo à porta sempre. Sei diferenciar a batidas de gente de verdade das de soldados. Aguardo o dia em que poderei sair pelo portão da frente de meu templo e ver o sol para além de tantos gigantes cavalos-de-tróia. Enquanto isso, preparo minhas malas, serei também viajante a levar as boas novas, como foram um dia para mim. Adaga na cintura, bolsas às costas... rodo as chaves no meu indicador. Penso no meu navio... afasto o pensamento. Voltar para o mar? Não, é preciso pisar as ruas da cidade.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

O Cais e a Ideia como Adaga – transformando a História em Terra firme.



Eles tentaram de toda forma, em todos os tempos, sob as torrentes ou sob os sóis escaldantes, penetrar em nossas fortalezas, e sempre conseguiram. Por séculos fomos assediados, e bajo la violencia e principalmente por nossa fraqueza física, cedemos. Tempo ao tempo, os expulsávamos e erguíamos, ritualisticamente, supostas barreiras mais altas e mais fortes.

Enquanto festejávamos, eles preparavam novas invasões.

Não tardava, caíamos na rotina. A rotina é a memória preguiçosa, é o tempo ignorante no qual a história engolida fica no estômago, quieta, até causar ânsia de novo. Os dias amanhecem todos do mesmo jeito, e mesmo os dias santos não glorificavam nada além da nossa própria ignorância do porvir. Um dia – gozávamos no temor – tornava a chover fogo dos céus e troncos arrebentavam portas e cabeças. Era o prazer funesto de se ver arrancado de uma rotina de morte pela vivência da morte emergente.

O sangue que escorria pelas valas, até o meio das canelas, os invasores circulando em nossas fronteiras de cabeça erguida e zombando de nossas mulheres e crianças, homens e velhos, todos pagavam com seus corpos e mentes a sanha imoral daqueles que tornavam a nos submeter. Já se gozava menos a famigerada aventura a cada morte que se provava existente, a cada falta de uma querida mãe, de um querido filho, a cada alma que era sacrificada para nos forçar à rotas de comércio.

A história se repetiu, com algumas variantes em tempos, métodos, lugares, mas principalmente pessoas, pois os mortos, mesmo estando sob a categoria de supostos “derrotados”, não são as mesmas em suas “derrotas”. Apesar de passar quase como uma receita, a história aquietava-se nos estômago dos que viviam mais um pouco.

Disso se me lembra que a ignorância coletiva não foi superada com os tempos, e, nem mesmo com o pesar de tanta humilhação. Mesmo sabendo que nossas portas, apesar de fechadas, sucumbiriam aos arietes menos destros, foram os inimigos, os bárbaros que evoluíram em seus meios de dominação. Podiam arrebentar tudo, podiam massacrar a todos, podiam por a história em chamas – mas só ia por os malditos sobreviventes num regime de ódio e angústia. A mão pesada abandona o chicote e, num afago, interiorizamos o inimigo.

Cavalo-de-Tróia. A história foi transformada numa fábula, e deixamos de creditá-la como mais uma possibilidade estratégica. Aos que ignoram a história, ou mesmo o modo de usá-la para seu próprio bem, resta aceitar o poder de quem a detém, de quem a conhece, de quem a escreve – ou reescreve.

Fortaleza fechada. Família reunida. Janta-se, descanso. Sentamos, pois, com o invasor. Mensageiro das novidades mais distantes, ator convincente, reduz à pó não só nosso ouro, como nossa convivência, nossa inteligência. Mora na nossa sala, e o amamos como a nós mesmos. Que seria de nós sem as invasões bárbaras?

Saímos pela manhã para buscar o desjejum, a mensagem bárbara está cem vezes em nosso caminho. Compre isso, compre aquilo, seja assim, só é feliz quem tem, vem ser feliz, não dá pra ficar sem... a cidade deixou de ser nossa vida para se tornar mera rota de comércio, flui dinheiro e não vivências. Voltamos para nossa fortaleza sitiados por mãos que afagam nossos cérebros – e gozamos no temor, dessa vez, de estar socialmente morto.

A comunidade morta. Cadáveres circulam pela cidade em chamas que não se vêem. Mortos, se abraçam cada vez menos, beijam sem amor, já não há vontade. Filhos em decomposição, pais deteriorados. As muralhas da cidade estão bem fechadas. O inimigo, como boa mãe, mora agora dentro de nós, acarinha nossas ideias, nos aponta e faz contemplar o nada, amaciar a carne, somos humildes, aceitamos, cordeiros, compramos.

Chorei mil cadáveres de quando chovia fogo, de quando as invasões eram sinceras e os homens brutos se orgulhavam de mostrar a verdade que vieram defender. Choro tantos mil mais quando vejo que sacrifiquei a mim mesmo por décadas servindo ao inimigo que morava em minha casa, em minha mente, às suas senhas ocultas em cada propaganda, em cada gosto, em cada pote, em cada ideia, em cada conversa “amigável” - cala-te e aceita, calei-me e aceitei. Fomos atropelados pela história, ainda não a detemos, ela serve a quem a vislumbra. História é vida, e tal como ela, opcional.

Encontrei a receita-prima escondida em minhas ações, a grande história da humanidade, a história que foi engolida pelos historiadores, a história que serve cartograficamente aos vencedores.
Rememorei por séculos, por milênios, cada batalha travada entre os homens, e entre eles e a natureza. Caminhei por prados, florestas, desertos, bosques, oceanos, cada riacho, cada cachoeira, cada fiorde, sopraram-me as monções... comi sob deus e sob o diabo, mas não por eles – está-se entre os homens, está sob tudo o que é deles – espiei calado, a mente laborante. Escrevi e analisei cada tática, cada tragédia e descobrindo fui, cada inimigo, cada passo que é dado entre a vítima padecer ao algoz – ou até tornar-se o algoz. Conclui que a ignorância não é o fim, mas o meio por onde se propaga a derrota, a humilhação, a ruína da fortaleza, as portas abertas na vasta muralha de pedra.

Por meses, derivei. Ao mar, salguei com um longo pranto, e altos gritos bradei purgando o céu e a terra pela desgraça dos homens, pela minha desgraça. Os ventos e o mar me envolvem e estar perdido entre eles é estar encontrado consigo mesmo. Meus manuscritos, ao vento, voaram longe como pássaros-semente, fazendo ninhos em mentes muito além-mar, florescendo entre aqueles que os acolhiam, que os regavam. Entendi. Entendi que chegavam as folhas brancas, entendi que chegava a tinta vermelho-sangue que pingava de meu indicador, entendi que nem só de lágrimas e remorsos vive o homem, e munido das reflexões e de toda a história da humanidade – que compreendo em cada ideia transformada em ação e cada ação transformada em ideia, alço velas.

A tatuagem preta emerge em memória aos dilúvios que dissolveram a humanidade por dentro. Pesar aos irmãos e irmãs que, munidos apenas da inocência, foram devorados pela própria ignorância e pela ganância alheia. À memória deles voam milhares de papéis pelos tempos... mas só no gesto de agarrar tais memórias é que se respeita a existência dos que se foram – e dos que estão aqui, a morrer, agonizando. Tranquilizem-se vôs e vós: morre um, nascem mil.

Meu corpo como campo de batalha, meu navio, minha espada. Minha Jolly Roger conta o tempo de morte e me lembra que há vida. Esse é um recomeço, início da primavera, bons ventos me guiarão rumo ao Norte, ao meu Norte. Meus segundos virão palcos, a minha vida será o roteiro, serei já o Diretor. Uma chance, pela história. Ponho-me novamente entre os homens, terra firme, como nunca estive. Nunca mais perdido dentro de mim, tampouco encalhado. Elegi os inimigos, planejei sua derrota por Eras a fio, e, agora, estou entre eles. Reconheço, logo no cais, outros – dispersos na multidão -, outros que como eu, transformarão o cansaço em força. Sem palavras, nos compreendemos. Mãos sobre as adagas, dispersamo-nos, confiantes de que cumpriremos nossos papéis. Caminhando entre os homens tento, mas não consigo, conter o sorriso que machuca meu rosto, um sorriso feliz pela esperança de liberdade, de Liberdade...

Senhoras e senhores, o Primeiro Ato.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Passo Além do Óbvio - da pequenez à grandeza do Ser.

Infundidos na vida cotidiana, somos convencidos desde criança a viver nessa distopia como se nada estivesse acontecendo - ou melhor, como se nada melhor fosse possível acontecer. Nosso papel nessa sociedade é o de consumir e o de ser esteticamente igual ao outro - sendo assim, paradoxal e impossivelmente diferente. Assumimos, desde sempre, os velhos hábitos "aceitáveis" como sendo nossos, como sendo espetaculares. Assumimos nossas vidas medíocres como as melhores possíveis, enxergamos no horizonte a desgraça de coturnos policiais e sapatos de couro polidos e nos parece um pôr-do-sol - em sangria, e eis sua "beleza"...

Nos ocupamos da vida de supostas celebridades, dedicamos dourados minutos de nossas vidas à leitura ("mas é dinâmica!") dos acontecimentos da novela das 6, ou do enlatado norte-americano, guardamos nossos sagrados domingos e quartas-feiras para o não menos sagrado futebolzinho, imolamos nossas celebrações em churrascos regados à cerveja e papo-furado, cimento-de-merda, nosso cigarrinho de manhã e a noite, um paierozinho pra enganar a tarde, uma cervejinha com o dinheiro do mercado, cannabis é revolta é revolução pacífica, capitalismo é uma bosta me vê uma coca-cola e um número Um, vou votar no domingo fala um número, a vida segue, e para nós, vai bem, já que supostamente é isso aí, a vida.

Estamos preocupados com os minutos do celular! Estamos preocupados em acordar cedo! Estamos com preguiça de pensar na morte da bezerra! estamos preocupados com a radiação no Japão (ai se me chega!)! Temos que caminhar 15 minutos a cada dois dias, mas eu começo na segunda! Minha vizinha me chamou de gorda! Tem baladinha na sexta, vou encher a cara e pegar todo mundo! Baixei todas da lady gaga vôpôpcêôvi no celular novo, quatro chips, mas só tenho dois e tô sem crédito!

Assolados pelas solas do cotidiano, rastejamos nossas vidas agradecendo a deus por ser nosso senhor (!).

Cessão das nossas vidas ao mediocre do dia-a-dia, ao individual, ao pouco, ao pequeno, ao mínimo, às rixas, às masturbações, às pequenas sacanagens, às pequenas filhadaputagens, às misérias que chamamos paraíso. Compre sua revolução, descartável, amanhã é outro dia - impressionante como parece com ontem, e a maldição não dormir à noite, não viver de dia, não saber o que sonhei, o que comi ontem...

Um dia se acorda, mesmo sem dormir. Ouço os passarinhos cantando muito além dos sapatos de couro engraxados. Já não me importa o que o noticiário está dizendo, já não me interessa quem venceu as eleições, quero saber se a horta da esquina está rolando, coloco um classificado psíquico "Procuro pessoas que já não moram mais aqui". Já não registro queixas na delegacia com esperança ou esperando a boa vontade do sistema, o supermecado se reduz cada dia mais, meu mundo capitalista vai desmoronando, ele se torna cada dia mais força do que jeito, pois cada dia que eu imponho mais minha liberdade, mais o capitalismo força a barra, e logo sei que sabe meu nome. Sou perigoso porque o capitalismo não me importa. Meu jeito de ver o mundo é trabalhoso mas contamina mesmo assim. Não sou eu, Eduardo Montenegro, o centro desse artigo, mas você, operando a realidade e destruindo os próprios mecanismos psíquicos que te controlam: superando seus vícios, superando o egoísmo, buscando o Outro nas esquinas, abrindo a boca mais para falar do que para beber o cafézinho da repartição, apagando um maço de cigarro antes de acender, desafinando o coro dos contentes, sendo o chato da turma, mas que ninguém te esquece, sendo um ponto de pressão numa rede social invísivel, supostamente controlada pelo poder, andando num mundo de cabeça para baixo, de cabeça para cima.

Abdicar do óbvio. Não aceitar o que está entregue. Conhecer o mundo pelas mãos. Superar a si mesmo para superar o mundo. Inventar novas formas de se relacionar com tudo e todxs... tudo isso está sendo dito e repetido a todo momento, por inúmeros pensadores mas... até quando você só vai ficar ouvindo?

é preciso NÃO QUERER ser pequeno. Desejar o mundo mais do que o mundo que nos é imposto. Sonhar com o além-merda para descobrir os impossíveis possíveis. As coisas estão aí - mas muito além da nossa medíocre vida cotidiana, há muito mais... talvez as nossas próprias vidas. Quando vamos querê-las de volta?

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Um Soco no Ar: Controlando Tempestades.

    Todo marinheiro nasceu para capitão.
    Mas muitos passam toda a vida limpando o convés e morrendo em batalhas que não sabem por quê se dão. 
     Mal sabem os homens que todos já possuem seus navios, e suas espadas, e seus canhões, e o poder do grito que ecoa por sobre toda a Terra. Mas ainda não sabem o que gritar, contra quem gritar... têm medo de chamar a atenção, de virarem alvos fáceis e solitários. Medo da solidão. Um ponto no meio do mar.

     Um homem solitário navegou em sua jangada até o meio do oceano para descobrir que não importa para onde fosse, sempre haveria um horizonte, e nele, os seus iguais. Gritou sozinho no meio do deserto para chamar os homens para batalhar, o louco, o visionário. Ninguém o escutaria - claro - pois gritava o que nenhum ouvido podia sentir, pois não se sente aquilo que não conhece. Ergueu-se aos céus para ver melhor, mas só viu formigas, e imaginou que seus iguais assim fossem - meras formigas. Voltou ao oceano, voltou à sua jangada, inconformado... e teve de voltar a ser um verme para repensar a humanidade. A descobriu dentro de si. Viu a humanidade dentro de um verme, e um verme em cada ser humano.
     A escuridão de seu casulo, a solidão da imensidão, a dúvida de "para onde ir", a ignorância da crença coletiva passiva, a falta de curiosidade e de garra, tudo o que ele via nos outros sentiu partir dele mesmo. Um homem que tentava agarrar um grão de poeira no deserto, uma imensidão de histórias e sentimentos, de desejos e de complexos, em cada formiga, ele estava, sendo ele mesmo, formiga.

     Um dia um homem que morava numa cabeça se materializou quando se rebelou contra um gigante, que aos olhos dos outros, parecia apenas um moinho. Ele e sua espada erguida - a imagem que fez de uma idéia um homem, parte de uma guerra que dura milênios. Foi mais um... mas foi um capitão, autônomo, temporário... das suas idéias bebemos e somos fortes até hoje. Para os outros, veneno, para nós, é a água mais límpida. Mitridatismo, então.

     Entendeu.
     Nenhum homem viverá para sempre, somos temporários, perecíveis. Não lembramos de carnes, a lembrança é mera idéia. Somos troncos por onde as idéias fluem e se transformam nas mais belas flores e frutos, que vão continuar se propagando até que a última mente humana possa entendê-las. Os troncos apodrecem, a memória, não.

      No meio do oceano, um homem ergue um pulso, e o nomeia sua espada. Sua jangada é o maior navio de guerra já imaginado. Um mastro atravessa seu coração e, lá no alto, só uma bandeira se agita. 
Sua imagem materializada atrai outros capitães materializados. A cada um que morre, nascem mil! Já emerge dos oceanos a esquadra insurreta! Somos a dinamite que nunca apodrece, e estamos, há milênios, explodindo pilares podres dos jardins suspensos da babilônia. 

     Ouço a risada de um velho bucaneiro, e ela é um chamado. Ela é a chama que nos faz ver uma ilha distante, mas apaixonante, sempre distante como uma Dulcinéia: essa ilha é o que move nossa esquadra há milênios, e a chamamos Liberdade.
               

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

SERRA ESTARR APRENDENDO!

em tempo: 
http://blogdomaurosilva.wordpress.com/2010/08/21/vote-no-tiririca-e-ajude-a-eleger-o-valdemar-costa-neto/
[mas quem podia imaginar? até agora eu não sei quem é o palhaço e quem é o político na foto... e na vida!]

terça-feira, 17 de agosto de 2010

A Verdadeira Utopia - enganados em qualquer lugar, prefiro sonhar!

Meu objetivo, como já disse, não é a revolução social.

Em discussão por fóruns aí afora, noto a constante rotulação de nós, heterodoxxxos, como pequeno-burgueses, revolucionários de boutique. Bom, repito, não somos revolucionários, não no sentido ortodoqço da palavra.

Não criarei nenhum partido que se diga de esquerda [no fundo, todo partido é de direita] e que manipule as massas para algum lado que elas não saibam exatamente se querem ou não ir.

Não criarei nenhuma igreja onde eu pregue os meus sermões e ameace as pessoas que não seguirem os meus desígnios o sofrimento eterno [isso porque meus deus amaria seus filhos!]. Na verdade, mal posso acreditar que existam pessoas que ainda hoje caiam nessa ladainha [moço, para na Era da Informação, por favor?].

Não criarei uma ONG [oh naïfe god] que, depois de muito pelejar num assistencialismo inócuo [combater a seca no nordeste!? o único assistencialismo possível é reforço em geografia!] acabe se filiando a um programa de governo que vai nos inchar, nos fazendo depender de suas verbas para depois, de uma patada só, cráss! [E ainda pagaremos de ativistas! ah, mãe, deu tudo errado, mas deu tudo certo!]

O problema não é o capitalismo, o problema é não se saber NO capitalismo, e também em qualquer outra circunstância, ou seja: o problema é a ignorância.

Há uma cultura implícita na sociedade, e não só na brasileira, mas no mundo todo, onde a intelectualização é rechaçada pelas camadas mais pobres, justamente aquelas que mais precisam dela. A detenção (há) da informação é o grande poder nesse mundo contemporâneo - fantástica estratagema a de convencer seus escravos a quererem ser ignorantes: jamais descobrirão os grilhões abaixo de seus focinhos.

No Brasil (assim como em vários outros países) há certas características muy tristes: temos uma mentalidade de colonizados sem metrópole, patriarcalista, clientelista, somos hedonistas, particularistas e imediatistas, sado-masoquistas (mas sem qualquer prazer), não afeitos à comunidades, violentamente (e violadamente) cordiais, tristemente felizes (com música: somos baianos. sem música: somos paulistas), somos vendidos e corruptores em potencial, pagadores automáticos & compulsivos de impostos e... gamers!

Gamers, sim, pois jogamos um divertido jogo de selecionar, de 2 em 2 anos, toscos personagens num videogame; tais personagens jogam em diferentes níveis (Federal, Estadual e municipal; Executivo e legislativo e... o judiciário não vem habilitado nessa "democracia"...). Pagamos taxas absurdas para vê-los jogar. Nos dizem que vamos ganhar muitos prêmios, mas na verdade, acho que o fabricante ganha muito mais quando nos "concede" algum prêmio. Mas pelo menos ganhamos algum Status: Cidadãos de bem.

Dessa forma, a minha utopia é a mais utópica de todas: uma sociedade anarka, onde as pessoas sejam suficientemente racionais para conduzir suas próprias vidas, gerindo juntos suas comunidades, sem precisar mandar em ninguém, todos entendendo que são parte do todo e que o um depende do outro e vice-versa. Uma sociedade que preze o conhecimento social prático, não submetida e não submetível, união de todos os autonomos, onde a educação seja a prioridade absoluta... Utopia: esbarra justamente no fato de que as pessoas não são boas: querem mandar e querem obedecer. Pensar, realmente, dá muito trabalho. E ninguém, ninguém mesmo, quer ter trabalho.

Já vivemos numa sociedade de ilusões. A começar pelo dinheiro. Outra ilusão, as religiões que dizem que nos salvarão (mas ninguém vai nos salvar delas?). Mais uma, a suposta educação universal que supostamente nos coloca na mesma posição inicial (para competirmos todos juntos!). Outra, empregos de enxerto (um milhão de empregos a preço de bananas). A pior das ilusões? Nossa democracia (não "A" democracia), que diz que o povo tem o poder [mas não o avisa disso], que define as regras do jogo [mas não ensina o povo a usar ainda na escola] e que ampara o sistema de auto-manutenção do verdadeiro poder (que está na política formal)... e assim vamos, navegando num mar de ilusões.

Utopia por utopia? Prefiro a minha: não quero pensar que eu tenha que guiar o povo por partidos, por igrejas, por ongs e etc. Se o povo não quiser ir, que fique. O problema é que não tiraram a venda dos olhos do verdadeiro Leviatã. A Ignorância é o inimigo. Cada Rei Reinando seu Reino.